OBITUÁRIO/Roberto Médici

roberto medici

O 5º Mandamento

Leocádio Guimarães, com Maria Helena Verissimo, para o http://www.gutemblog.com

Com a morte, sábado, (7/4/2015), do filho mais velho do Presidente Emilio Garrastazu Médici, desaparece um singular e inconformado testemunho dos “anos de chumbo” da ditadura militar. O professor Roberto Médici dedicou os últimos 40 anos da sua vida à tentativa de redefinir o papel histórico e as responsabilidades do pai pela violência institucionalizada a que o pais foi submetido no seu governo (1969-1974), com tortura e assassinatos. Sem negá-la, pelo contrário, franqueando aos arquivos do Instituto Histórico documentos que a comprovam, guardado pelo próprio General Medici. Na contramão da História oficial (enfrentando os adversários da ditadura e principalmente seus parceiros do próprio regime militar, que buscaram aliviar suas cargas de culpa no desastre político e humano que deflagraram, procurando passar-se por liberais e anticomunistas), Roberto Médici tentou fixar a responsabilidade partilhada de todos que exerceram o poder no regime da chamada “Revolução” e por cujas mais graves acusações de desmandos contra os Direitos Humano recaiam sobre a memória do seu pai .

Um caso patético de paixão filial (e de lealdade, à maneira gaúcha) que o levou a sacrificar sua vida acadêmica em Porto Alegre para manter-se ao lado do velho Médici  (vindo morar em Brasília quando o pai assumiu a Presidência, nos anos 60 ) e, depois que o pai deixou o governo, lutando por todos os meios para   estabelecer versão da História sobre os conflitos, diferenças, traições, intrigas e todo tipo de torpezas que caracterizaram a luta pelo poder entre os generais nos cinco governos militares (Castelo, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo), entre 1964 e 1985.

Roberto Médici, 81 anos, culto, cordial, filho mais velho de Médici (seu irmão Sérgio morreu em 2008)  foi nominalmente “assessor especial” (ao lado do coronel Manso Neto e do embaixador Raul Fernando Leite Ribeiro) da Presidência da República e mantinha um escritório no Palácio do Planalto. Tornou-se  uma das fontes mais confiáveis de que dispunham os jornalistas de Brasilia. Nessas condições, tornou-se amigo pessoal de muitos deles, especialmente do Castelinho (Carlos Castelo Branco, como registra o livro “Todo aquele imenso mar de liberdade”, Carlos Marchi, Editora Record,  lançado por coincidência, em Brasília, no sétimo dia da sua morte).

Não era crítico do regime, pelo contrário, apoiava e justificava as posições duras do pai (já que Médici, como Chefe do SNI de Costa Silva apoiou e estimulou o estabelecimento do AI 5) mas reclamava da falta de reconhecimento de questões essenciais. Exemplo: a repressão política do Governo Médici foi exercida, sob absoluta e total responsabilidade, pelo Ministro do Exército, Orlando Geisel, e fez parte dos arranjos negociados para que aceitasse a Presidência. Medici achava que o pais  vivia sob um estado de guerra civil (cujas proporções avaliou com precisão quando era Chefe do SNI) e que somente as Força Armadas, sob o comando-em-chefe do Ministro do Exército, poderia enfrentá-la. Lembrava especialmente que, seu sucessor, Ernesto Geisel colocou, como primeira condição para aceitar a Presidência, a manutenção do AI-5, cuja revogação, mais tarde, lhe ornaria a imagem de responsável estrutural pela distensão, anistia e redemocratização.

Nenhuma outra controvérsia interna da ditadura apaixonava mais a cruzada filial de Roberto Médici do que a denúncia do que chamava “traição” do General Figueiredo, Chefe da Casa Militar de Medici e que negou peremptoriamente a conspiração, conduzida pelo General Golbery (a quem Medici odiava) pela ascensão de Ernesto Geisel a Presidência. Segundo Roberto Médici, seu pai imaginava estar entregando o Governo a Ernesto como forma de reconhecimento a Orlando Geisel, seu irmão e condestável no comando das Forças Armadas e na repressão à subversão armada. Somente quando já não podia voltar atrás, ficou claro que Ernesto Geisel era um projeto de Golbery, já atrelado à futura designação de Figueiredo para sucedê-lo.

Roberto Médici jamais perdoou ao general Figueiredo e o gesto do seu filho mais velho, expulsando o então Presidente do velório do ex-Presidente Médici no Clube Militar refletia a indignação cultivada em casa. Ele herdara de Roberto o profundo sentimento inspirado no 5º mandamento da Lei de Deus: Honrar o pai.

Roberto Médici levava uma vida austera, não fez fortuna e jamais seu nome foi envolvido em corrupção ou abuso de poder. Os ajudantes de ordem de Médici, entre eles o atual general da reserva Piero Gobato (que foi comandante Militar do Planalto) testemunham que foi Roberto Médici quem convenceu o pai, em Porto Alegre, a aceitar sua indicação do Alto Comando para Presidente. Comandante do III Exército, Médici havia resistido a todos os apelos, mas cedeu ao filho. As fidelidades, portanto, eram recíprocas e absolutas.

Suas últimas declarações foram registradas pela Folha de São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2014, quando um repórter lhe telefonou para ouvi-lo sobre a lista que o Clube Militar divulgaria com cerca de 120 nomes de militares, policiais e civis mortos em ações da luta armada contra a ditadura militar (1964-1985). “Estou doente, não leio mais jornais e não tenho condições de comentar nada”, disse Roberto Médici.


One Comment on “OBITUÁRIO/Roberto Médici”

  1. Dulce disse:

    O quarto mandamento eu honrar pai e mãe. O quinto eu não matar.

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